domingo, 7 de agosto de 2011

Fala, Memória: “Deus me deu um dobro”, dizia o carpinteiro

AREIA_BRANCA_TIROL[3]As mãos hábeis dos antigos carpinteiros navais impulsionaram a navegação em Areia Branca

Numa manhã de 25 de dezembro, o pároco local, conduzindo a celebração fúnebre ante o caixão do tradicional morador de Areia Branca, perguntou se algum dos presentes teria algo a dizer em testemunho da vida daquele cristão ora falecido. Marcondes, um de seus filhos, apresentou-se e contou que o pai falava sempre que tinha recebido em dobro o que pedira a Deus.

O fato aconteceu em 2008 e faz parte da biografia do conhecido Carpinteiro Naval areia-branquense Manoel de Marina, cujo nome de batismo é Manoel Lino de Mendonça. De maneira poética, uma peculiaridade sua, ele contava aos filhos e aos amigos mais próximos que, no início de sua carreira, teve dificuldades de ser reconhecido como carpinteiro. Diante daquela situação, numa noite qualquer da semana, no bequinho de sua casa, sentado em sua antiga cadeira de balanço, mirou as estrelas, o céu sem nuvens, e rogou a Deus que as pessoas o reconhecessem como um bom profissional. Pediu ao Criador o reconhecimento do seu trabalho. Não suplicou por dinheiro nem por fama, tampouco por prazeres e vaidades.

Cerca de 30 anos depois, no início de 1985, já estabelecido como extraordinário artífice naval e considerado por muitos o melhor carpinteiro de Areia Branca e da região, o velho Manoel recebeu a visita do norte-americano John Patrick Sarsfield, famoso engenheiro e historiador marítimo, especializado em caravelas portuguesas e construtor da réplica da Caravela Niña, do navegador Cristóvão Colombo. O cientista estadunidense pesquisava sobre técnicas antigas de construção naval no Nordeste Brasileiro e, ao ver aquele homem, que sequer havia terminado os estudos de primeiro grau, fazer projetos de engenharia e construir embarcações, ficou impressionado. E logo se espantou ao saber em seguida que nosso mestre da carpintaria havia aprendido sozinho, no livro Arte Naval, da Marinha do Brasil, a engenharia e a arquitetura de navios. Era um autodidata.

Dias mais tarde, no domingo, 21 de abril de 1985, Manoel Lino se surpreendeu quando leu, no jornal natalense O Poti, uma nota de 27 linhas, contando-se com o título, em que se dizia que ele, o simples carpinteiro de uma pequena cidade do litoral norte-rio-grandense, era “... considerado um projetista e construtor de barcos, de nível internacional... um gênio, perdido em Areia Branca...”. Para quem é acostumado à fama e a ver seu nome estampado na imprensa, não haveria nada de excepcional nisso. Mas, para aquele humilde trabalhador, foi a coroação de sua vida profissional.

À noite, nesse dito domingo, no mesmo bequinho, e na cadeira de balanço, o carpinteiro olhou novamente o céu estrelado, como havia feito 30 anos atrás, e falou pela primeira vez: Deus me deu em dobro!

De Areia Branca, Marcelo Almeida

Para ler outros textos do autor, visite www.dmarcelo.blogspot.com

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Jornalista do jornal O Mossoroense, redator do noticiário matinal “Costa Branca em Notícias”, da Rádio Costa Branca – FM 104,3 de Areia Branca (RN), onde aos domingos apresenta o programa de variedades “Domingão da 104”

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